Desinteressment Arte: Bujwid (Polonia) |
Intelectual Indo Tomar Café da Casa de Cultura Mário Quintana
25/04/2004
Nota do autor: para evitar desespero aos nossos leitores, omitiremos todas partes que se referem ao uso do telefone celular em público e as respectivas questões de bom senso, não comentar em voz alta a vida alheia nem quanto ao gosto musical dos toques do telefone e nem sobre deixar tocar a tal música por longo tempo como se estivesse apreciando profundamente o sentimento metafísico e inspirativo genialístico que só os eleitos entendem.
Aproveitando um recente tópico de um intelectual falando mal de quem não é intelectual, repasso o interessante relato vivencial que nos foi relatado pelos "especialistas de provimentos de solicitações individualizadas" (garçons) do café da Casa de Cultura Mário Quintana, aqui em Porto Alegre.
O local trata-se de um dos "points" da intelectualidade, e com certeza, existem similares na maioria das grandes cidades.
O intelectual típico aparece no final do dia, geralmente após as 17h30minh até 18h, que é quando termina o expediente na repartição pública aonde trabalham. Isto já indica por si só que são exemplares seletos da casta que sabiamente optou por valorizar o dinheiro da família (ou de alguma entidade patrocinadora) e trabalhar, digo, estudar (decoreba) pelo menos uma vez na vida para conseguir aprovação num concurso.
Sempre trazem sua agenda moderna, e com o logotipo da empresa doadora discretamente apagado (ou raspado) da capa, além é claro, de algumas pastas com os famosos projetos...
Estes intelectuais costumam ter um monte de papéis que chamam de projetos, e muitos recortes de revistas e jornais de distribuição gratuita que corroboram suas teses.
Portanto chegam e sentam-se. Quer dizer, mostram que chegaram (sons de clarins) então começa a penúria do garçom...
1) Antes de sentar, escolhem atentamente qual a mesa mais adequada no recinto, visto ser necessário atentar ao fato de que uma eminente personalidade pública de renomada estirpe intelectual chegou ao local. Daí a necessidade de ficar de pé, se possível atrapalhando a passagem a de algum infeliz cliente ou garçom que por acaso tenha a pretensão de querer andar pelo mesmo espaço, normalmente suficiente para umas três pessoas, enquanto aquele que se considera um modelo para uma futura estátua em praça pública analisa. E "como" analisa o ambiente.
2) Após finalmente sentar-se, o garçom deve aguardar um bom tempo, até que a personalidade recém chegada se decida sobre quais pastas vai deixar em cima da mesa, e sobre quantas vezes vai abrir e fechar a agenda, enquanto coloca todo este material sobre a cadeira. Depois coloca de volta na mesa. Repete-se algumas vezes.
3) Finalmente após angustiosos minutos para os garçons, a distinta criatura faz um gesto quase imperceptível, mas que com certeza, caso questionado (um absurdo), ele terá toda gentileza de afirmar ter estado longamente de braços erguidos estando por aguardar a atenção do obviamente inepto garçom. E claro que comentará isto com seus colegas de ofício na primeira oportunidade.
4) Imediatamente atendido pelo garçom, solicita o "cardápio" ou "menu" como alguns preferem... Primeira vinda do garçom.
5) Recebido o cardápio, estudará detalhadamente todas as alternativas por alguns minutos.
6) Novamente efetua um longo e milimétrico movimento imperceptível para solicitar novamente a presença do garçom.
7) Atendido pelo garçom, é comum solicitar se teria um determinado prato do cardápio que está sem preço. Obviamente não tem, e a personalidade expressa seu descontentamento com um franzir de olhos ou um amplo movimento facial... (manda o garçom embora e continua a olhar o cardápio)... Segunda vinda do garçom...
8) Na falta de alguma alternativa atraente, então o distinto cliente, chama novamente o garçom, solicita "então só um café expresso"... Se for dia de pagamento, poderá pedir até um "capuccino"... Terceira vinda do garçom...
9) É servido o café expresso... Quarta vinda do garçom...
10) Como uma importante personalidade pública está deliciando-se com um dos melhores cafés do país, na mais importante casa cultural do estado, este deverá obrigatoriamente demorar uns 25 minutos entre saborear o paladar com o café, beber aquele minúsculo copinho com água, e apreciar demoradamente a demonstração culinária do biscoitinho que acompanha tudo isto...
11) Neste meio tempo, nosso importante exemplo da intelectualidade mundial, supra-sumo do conhecimento que precisa destes momentos merecidos de deleite e apreciação devido ao seu incansável sacrifício para a população mundial ao perdurar longamente na repartição pública, então aproveita para verificar sua agenda fartamente preenchida de importantes eventos culturais e rever outros tantos pontos dos projetos que estão nas pastas...
12) Sobem e descem as pastas da mesa para a cadeira lateral...
13) O garçom vem até a mesa neste período (por obrigação do ofício), para perguntar se o cliente deseja mais alguma coisa (se não vier o importante cliente vai pensar que está sendo desconsiderado)... Quinta vinda do garçom...
14) Se além de ser dia de pagamento dos salários, ou ainda, se por um raro acaso, estiver com alguém tão importante quanto ele (e também for dia do pagamento), poderá pedir mais um café... Sexta vinda do garçom...
15) Finalmente, depois de uns 30 minutos, outro gesto que seria interpretado incorretamente por pessoas comuns, como sendo uma coceira no nariz, indica ao garçom, que a nossa importante personalidade está requisitando atendimento novamente...
16) O garçom vem até a mesa. Então seu importante cliente... Pede a conta... Sexta vinda do garçom...
17) O garçom vai até o caixa, pede o boleto... Este é emitido rapidamente, mas o garçom deve aguardar precisos minutos ou o cliente pensará que estão com pressa para desocupar sua mesa para alguém de nível intelectual inferior.
18) O garçom volta à mesa com o boleto, naquele pratinho tradicional... Sétima vinda do garçom...
19) Obviamente o garçom apenas entrega a conta e retira-se de volta ao balcão...
20) Infelizmente, personalidades ilustres não andam com porta-moeda, sempre esquecem daquelas coisinhas tão sem importância, por isto paga com uma nota de R$ 10... Se for dia de pagamento, será uma de R$ 50...
20) Nosso importante exemplo da cultural mundial chama novamente o garçom para efetuar o pagamento... Oitava vinda do garçom...
21) O garçom retira o pagamento e dirige-se ao caixa para comprovar a emissão do tíquete (necessário para que o cliente verifique se foi cobrado algo adicional) e para receber o troco necessário...
22) O garçom retorna à mesa, entrega o troco ao nosso exemplar modelo da humildade intelectualistica tão amplamente importante para o universo que ainda é capaz de escutar o garçom agradecer e ainda fazer um comentário citando um importante autor relativo ao advérbio utilizado... E finalmente fazer um gesto de condescendência ao serviçal que lhe trouxe o café... Nona vinda do garçom...
23) Se acaso estiver chovendo, acontece uma estranha descontinuidade neuronal que afeta a capacidade intelectiva ligada às necessidades práticas, como capacidade de locomoção, escolher o ônibus certo e saber fazer cocô sozinho, causando com que o intelectualóide (o cliente em questão), subitamente perceba-se numa situação em que necessita decidir em pelo menos 15-20 minutos como proceder para pegar suas coisas e sair.
24) Se não estiver chovendo, nossa personalidade artística facilmente tomará seu rumo em menos de 10 a 12 minutos...
Moral da história: Chamar NOVE vezes o garçom para tomar um cafezinho e depois acham que os outros é que são grossos mal educados e sem cultura?
E por último, muitos destes são justamente aqueles que aparecem falando mal do país, do povo, das pessoas. Em toda parte.
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